Tiago Mestre

The secret life of materials

 

Tiago Mestre com Flávia Vieira

Curadoria Fernando Oliva

 

Centro Cultural Sérgio Porto, Rio de Janeiro, 2011

 

    As tensões que atravessam as obras aqui reunidas se movem de tal maneira que é quase possível ouvi-las. São muitos, talvez em demasia, os dilemas de que precisam dar conta. Porém para um artista, hoje, parece não haver alternativa a não ser se armar de coragem e tentar atravessar estes pântanos. Tiago Mestre e Flávia Vieira, parceiros no projeto Secret Life of Materials, tomam as precauções possíveis para não cair nas armadilhas de sempre. As forças que buscam direcioná-los de volta ao ponto de partida são muitas, mas eles as vão contornando com inteligência e certa elegância. Aos poucos conseguem abrir caminho para que algumas possibilidades se apresentem, para o espectador, claro, mas também para os próprios trabalhos, como provam Ensaio,Magnetic Yellowe a obra que dá título à mostra. Cada uma delas está em fricção com passado e futuro, numa mesma diagonal que atravessa tanto seus mecanismos de construção como seus desdobramentos no tempo e no espaço. Neste sentido, o conjunto formado por Secret Life of Materialstem um “partido”, no sentido arquitetônico do termo, e reivindica um lugar nesta história. Mas que história? Da arte, claro, mas especialmente na dos modos de fazer e perceber a arte, e também na maneira como ela se apresenta, no espaço expositivo, diante do público. Para Tiago e Flávia, este lugar é conflagrado, e este espectador, não é mais um ingênuo. Informado, não pode ter seu conhecimento subestimado (um dos erros fatais da arte atual e seus discursos), pois assim como os artistas se habitou a correr alguns riscos controlados. Secret Life of Materialsabre espaço para um trânsito de mão dupla, em que somos colocados não em uma condição passiva de meros observadores, mas em que tem suas prerrogativas reconfiguradas pela exposição.

    As dúvidas de Secret Life of Materialspodem parecer comuns, mas nunca banais, no que se revela outra de suas escolhas de ordem ética, por não traírem suas origens nem os percursos que se desdobram a partir daí. Comentar sobre o espaço expositivo, preenchê-lo com obras ou arriscar uma saída negociada? Como escolher uma moldura sem que ela se sobreponha ao próprio conteúdo? Questões que parecem antigas, mas das quais não conseguimos nos livrar. Há muito tempo não existem mais soluções evidentes, ou simplesmente “soluções”, e no entanto os artistas não podem parar de produzir. Secret Life of Materialsparece também se perguntar a cada instante, antes de dar o próximo passo: como manter a auto-crítica operante sem resvalar para uma posição cínica e hipócrita, aquela em que se encontram artistas como Liam Gillick, e que determinou certo modelo para a arte contemporânea recente? Um lugar em que não há diferenciação possível entre crítica e adesão, configurando uma espécie de armadilha, talvez inevitável, para onde nos dirigimos resignados. Este risco Tiago Mestre e Flávia Vieira não correm, que é o de obras que pretendem exemplificar as decorrências ideológicas e estéticas da burocracia no circuito da arte, sem que seja possível distinguir esta arte do que ela supostamente ataca. Deste modo, o mais transparente possível, sem ser “naif”, este conjunto de obras e a maneira como são arranjadas entre si é ainda uma maneira de ampliar o próprio entendimento da palavra “material”. Parece evidente que se trata aqui de um entendimento alargado do termo, já que, para a dupla de artistas, matéria é também o próprio espaço, o mobiliário, soluções de displays, além da posição e do papel do espectador, seu repertório e seus desejos projetados sobre a exposição, o que constrói uma espécie de máquina de retroalimentação que termina por lançar dúvidas sobre seus próprios estatutos.

    A fronteira que separa os estados irônicos dos melancólicos é nebulosa, e este é outro risco que o trabalho de Tiago Mestre e Flávia Vieira não se incomoda de correr – ao contrário, parece ir em busca dele. Obviamente não lhes falta ambição e segurança, porém toda sua “atitude” de pouco valeria se não “provassem do seu próprio remédio”, ou seja, se não se permitissem ser vítimas das mesmas escolhas que afinal são parte integrantes de seu caráter.

Fernando Oliva, 2012